Flow Style
Recusa
O coração começou a falar e eu me recuso a aceitar que tenha essa verborragia infinda. Onde é a parada no beco sem parada? Ali por onde as vielas serpenteiam pelo vale obscuro da aceitação em massa? Lá não há parada e o fluxo corre solto subindo e descendo pelas encostas do vale. Estou vendo ele seguir e não tenho controle sobre seu destino. Quem sou eu? Se pudesse estancaria essa corrente sanguínea que corre para fora de meus quartos e chega até aqui. Sou o dono de meus pensamentos até um ponto, a partir do qual a corrida é para chegar a algum lugar que eu mesmo desconheço. A ignorância é uma bênção, já se disse e não há como discordar depois ver essa disputa. Ver só, não; participo. Hospedeiro de carteirinha. Qualquer fluxo não entra na cachola (tenho filtro), mas os que passam ganham vida e desembocam em destinos diferentes, viagens de paisagens distintas, belas e feias; claro, do duplo se trata a realidade e disso não há como fugir até a redenção final. Quando? Para ontem! Estamos na espera. Será o fim de um reinício. Sim, uma nova era. Virá segundo a fé, mas não sem o ônus da desconfiança e descrença. A esperança eu espero nunca me desarmar para o porvir. Isso não é medo; é temor. Não sei a diferença exatamente, mas é um modo de nomear uma expectativa. Me recuso a aceitar que o verbo seja o mundo que aceita tudo, sem medo ou temor. Tudo cabe e eu não sei onde isso vai parar. Não, não é gostoso. Mesmo o prazer vai até um ponto, depois vira dor. Ai! Ai! Ai! Bobagem… Grito de desesperança momentânea desaba vala abaixo. Tchau. Me recuso a aceitar essa descida. Mas quando subo, quero descer. As encostas do vale me enjoam e tchau estômago. Não, você vem comigo, não é de você que estou enjoado.
Pipa
O tempo passa rápido e eu já estava empinando pipa. Não tenho idade para isso, objetam, mas a criança interior fala mais alto. Corri até o vale e fiz subir a minha pipa que havia feito dias antes. Nada a ver empinar pipa se a vida é feita de responsabilidades. A criança desmente. Essa que não tem idade nem sexo nem cor. Uma figura incrível saber de sua existência e persistência! Venha brincar sempre, minhas portas estão sempre abertas. Corra com sua linha e carretilha e faça subir alto sua pipa. Não ligue para os outros; alheios a você não te entendem, nem querem acreditar que sonhos são para serem vividos. Mas você acredita, eu sei. Estou por cima e vejo que seus impulsos são bons e puros. Na vida que pulsa em suas veias, corre o sangue que faz fluir a sua sede de viver. Corra! E eu corri com ela, a pipa, minha metáfora. Enquanto ela sobe, eu sinto a sua força querendo mais linha para voar alto mais e mais. E eu dou linha para ela. Minha metáfora. O prazer de vê-la ganhando os ares, se afastando de mim gradualmente. Minha pipa representa meu sonho. Não serve para entender ou interpretá-lo, mas para vivê-lo como é, sem estigmas. A hora é agora, faz aqui um ato de coragem, mesmo que não afete a ninguém mais exceto você. Eu? Sim, você. Mas quem é você? Eu. Eu? Exatamente. Aquele que sabe o caos do mundo sobre si próprio. Aquele que defende sua causa acima de todas as outras. Mesmo quando a causa seja uma simples pipa. Corra! Dê linha para ela subir tanto quanto os sonhos de quem vive uma eterna infância. Foi o que eu fiz ao ouvir a sua voz. Agradeci e corri com minha pipa e me deleitei com ela subindo, subindo, subindo… Até parar lá no fundo azul desse dia de verão. Tudo a ver com a pipa e com a beleza de meus sonhos.