Flow Life
Episódico
Não quero contar com seus ouvidos apenas; preciso de todos os seus sentidos, me empresta? Quero que você sinta o cheiro das ervas aromáticas que penetram pelas minhas narinas e tocam de perto as células olfativas. Quero que você sinta o paladar desse meu quitute. Pergunte primeiro o que é e eu te responderei como eu preparei essa gostosura. Quero que você sinta o meu abraço como um sinônimo de que estamos juntos e inseparáveis. Até que a morte nos separe. A eternidade apela e é nós que ganhamos. Quero que você ouça o que eu tenho a dizer sobre a repetição de bênçãos. Não acredita? Faz bem em ser pragmático. Eu também sou, mas acredite nas minhas palavras. Quero que você veja que a paisagem natural tem tanta beleza quanto o episódio tem de surpreendente. Não acredita? Faz bem em ser São Tomé. Eu também só acredito vendo. Os diferentes divergem, mas nós convergimos; vemos pelos mesmos olhos da alma. Bonito ser autêntico, louvável estar perto um do outro. Sejamos um enquanto pudermos. Impossível? Foi isso que você disse? Impossível? Triste saber disso. Que não há solução para a nossa integração. Veja o que dá ser integralista. Chego às raias da intolerância e da violência. Palavras bonitas não conseguem esconder o viés autoritário que se impõe. Esquerda, direita; direita, esquerda. Pelotão, marche! Viu onde fui parar? Sua culpa. Seu objeto abjeto! Não, não vire a cara para mim! Preciso de seus sentidos, você é meu continente agora. É sobre você que coloco meus anseios de vida.
Rima
O rapper que mora em mim fala com rima. A facilidade de encontrar as palavras me choca. Sem fazer força, elas vão se encaixando e moldando meus pensamentos. Mas a minha voz é desafinada e se eu canto, não agrado os bons ouvidos. Mas falo, isso sim. Falo com uma rima fina que deixa qualquer um boquiaberto. Falo sobre a história dos macacos desvairados que fazem a balbúrdia dos carnavalescos. Eu entendo que samba rima com carnaval e me delicio com o tum-tum-ba-ti-cum-dum e me solto. As pernas ganham vida própria e faz a mulata sambar e sorrir. Dentes brancos à mostra, sigo encantado com as emoções que despertam esse meu samba. Canto e não afasto multidões. A rima salva-me do insucesso. Fracassei. Ouvi meu canto e me assustei. Minha voz me trai. Mas a mulata segue sambando. É o som da minha satisfação. Alguém ao menos gosta do meu canto. Rima solta que abocanha as palavras de meu samba. Letras que compus sob o efeito das marchinhas, purpurinas e serpentinas. É carnaval! Ouvi ela gritar para mim. A mulata me puxou para a avenida. Ela queria sambar e mostrar seus belos dentes ao léu. A rima talvez nem a importasse, mas não a mim, que continuava me ouvindo cantando sob um estado de choque. Estava confundindo as bolas, sem me ater do significado de tudo aquilo. Rimei lé com cré, mas era muito mais que isso. Era a alegria contagiante que fazia a diferença para ela. Prendi meus pensamentos traidores até passar a última escola na avenida. E pedi a mulata em casamento. Era o que ambos queriam.