Flow Conscious
Furo
O buraco estava sempre mais abaixo do que o alcance dos meus olhos. Tão baixo, muito baixo e longamente abaixo de minha esperteza. Muito mais baixo do que qualquer sacada, podia ver que sempre havia uma coisa que desconhecia. Um furo e eu descobria que aquilo que aparecia na minha mente trazia uma nova luz ou ângulo pelo qual ver a situação. Buraco, furo, ou qualquer coisa que vaze, entende? Descobrir um fator novo dava um leve toque de insegurança, mas se não sei tudo na vida isso não devia me importar. Mas importa. O outro lado. Sempre há um outro lado desconhecido ou inconsciente. Sempre está lá, mas meus olhos não o alcançaram enquanto podia e então… Ele surge inesperadamente, trazendo sua transparência, por isso, melhor seria dizer que transparecia aos meus olhos uma nova percepção da realidade. Quando o subjetivo se objetiva e traz ao vivido uma informação que estava passando despercebida. Mas não é algo filosófico, talvez mais existencial, ao revelar no vivido a experiência do despertar consciente. Eu só sei algo novo porque estou envolvido emocionalmente com o objeto do meu pensamento. Os psicanalistas explicam, talvez outros do ramo também o façam, mas até aí são palavras, espírito. Na prática mesmo aparecia o furo, o buraco negro que até então ocultava algo importante para a minha consciência. Furo que atravessava os estados de consciência, levando-me a pensar que tudo já estava aqui comigo, só faltando mesmo vir à luz. Era hora de parir então. O resultado seria o descortinar da situação, com todos os ângulos detectados e analisados pelo escrutínio. O resumo da ópera da análise crítica subjetiva. Isso era a descoberta, não tá bom?
Força
Pegou lá emprestado aquilo que queria: um drone. Moda pega, mas foi ele que pegou primeiro. Adivinha? Foi preso. Óbvio, o drone não era dele, e ele nem sabia que havia um dono. Achou-o desligado no fim da Avenida Atlântica, a principal de sua cidade. Só depois atinou de que o equipamento deveria ser da emissora de tevê que esteve ali na avenida cobrindo um desfile de fantasias. Por que as pessoas iam a esse tipo de evento? Fantasiar-se de quê? Não bastava já ficar fantasiado o ano inteiro com sua respectiva cara de tacho? Mas não, gostavam de ir à festa, levando cada um a si próprio no bolso. Ridículo! Onde estava a força de ser o que é? Mas não, vinham com essa conversa mole que era só para participar ludicamente do evento. Quem acredita? Ele não acreditava, por isso só foi ao evento no dia seguinte. Óbvio, não tinha mais evento, mas sim o drone. E quando ele pegou e andou com ele alguns metros, viu-se cercado de guardas da patrulha militar que o levaram em cana. Logo chamou Dr. Alencar do Grito, seu advogado e defensor em muitas causas, uma vez que ele era conhecido por sua versatilidade jurídica em livrar a cara dos que se metiam em encrenca. Mas ele não havia furtado o drone, só tinha achado ali no canto da Avenida Atlântica. Azar é que o aparelho havia sido furtado no evento e agora fora achado em suas mãos. Nem o Dr. Alencar do Grito o livrou dessa. Passou a noite no xilindró, mas dia seguinte seu advogado conseguiu livrá-lo, com argumentos que fizeram o delegado repensar a prisão de seu cliente. Ao pisar fora da prisão, ele se voltou para dentro de si próprio e disse que estava pronto para seguir em frente. Ser forte era ter bons advogados. Sua inocência estava grata e ele livre, finalmente. Mas não se esqueceu do drone e foi comprar um.